Saia do Facebook

 

clip_image001[4]Luís Antônio Giron
Editor da seção Mente Aberta de ÉPOCA, escreve sobre os principais fatos do universo da literatura, do cinema e da TV

Não quero ver você no Linkedin. Vade retro, Orkut! MySpace? Estou fora. Não pretendo seguir nem Deus nem Lady GaGa pelo Twitter. Me exclua do Sonico. Xô, messengers do gmail, da Microsoft e do Yahoo! Eu quero que você saia do Facebook. E assim por diante, se me esqueci de alguma rede social, saibam que não são bem-vindas. Que diabo, livre-se delas. Pratique o desapego e vá nadar, correr, ler, tocar música, jogar bola... Faça qualquer coisa, mas não se escravize a um monitor de netbook ou smart phone. Tenho a coragem de ser racional e rompa com a veneração às máquinas, aos signos digitalizados que piscam até no seu inconsciente. Quero tirar você desse lugar - para citar o Odair José. Ou como diria ou aprovaria o antigramático Ataliba T. de Castilho: “menas”, por favor!
A esta altura de minhas imprecações, o leitor deve pensar: lá vem o tecnófobo outra vez me importunar com conselhos ultrapassados. Olha aí o chato romântico de novo a brandir seu tacape contra nossos iPods e iPhones, tentando manchar mais uma vez as convicções dos homens de boa vontade digital com palavras ditas na velha ortografia, no tom fora de moda dos catedráticos cabeçudos.
Mas a verdade é que, há dois parágrafos atrás, eu me olhava no espelho para tentar reverter a dependência das redes. Sim, confesso que me tornei um viciado em todos esses sites de relacionamento. Frequentei todos feito um cego que pede esmola na feira das vaidades, o libertino que anseia por aventuras virtuais, o leproso que suplica por um elogio ou uma palavra amiga, o exibicionista que faz upload de fotos, a aranha que tece fantasias de perpétuo socorro. Tuitei poemas de escárnio e maldizer, elaborei nanocríticas aguardando repercussão explosiva.
O desejo incontrolável de habitar tantas e tantas páginas me levou ao paroxismo do desespero. E ainda agora me arrasta aos recantos mais deprimentes da existência. Vou atrás de troca de ideias e companhia, e só encontro amigos e amigas hipnotizados pela pecuária e as plantações da Farm Ville, um ridículo game virtual do Facebook que vicia mais que crack. Ou então gente que se ocupa em rasgar sedas como se isso lhes abrisse alguma porta da esperança no ciberespaço. E há os agressores virtuais que praticam o cyberbulling. Um dia, quatro anos atrás, fui obrigado a praticar um doloroso orkuticídio porque uma turba de emos entrou em surto contra uma matéria que escrevi sobre a nova moda comportamental. Recebi tanto desaforo, difamação e palavrões, que tive de me matar. Foi quando soube que os emos planejavam um flash mob na frente da Editora Globo para me linchar. Preferi ficar mortinho da silva por bom tempo, até que a parentalha e a amigalha me forçou a voltar ao Orkut, de forma discreta, quase incógnito, com temor de ser atacado. Os emos já não se autodenominam assim, mas continuam atacando os incautos. E há outras tribos mais violentas e excêntricas, pululando pela internet como coelhos da cartola de um aprendiz de mágico pedófilo. Que tenso!
Mesmo assim, teimei e segui obcecado por montar meu salão de amigos, falsos ou nem tanto. Não consigo parar de tuitar, por qualquer motivo ou ideia estapafúrdia que me ocorre em qualquer hora do dia. Um dia curto para tanta informação, não é verdade? É pouca vida interior para tanta invasão de privacidade. O vício é um mal horrível porque a vítima se escraviza aos contatos, ao que os outros pensam sobre ela e o que ela pensa sobre os outros. Somos a um só tempo presas e predadores, uma interminável serpente social que morde e é mordida na cauda dos comentários, dos posts, dos chats, twits e seja lá o que mais se apresentar. Para não falar dos bate-papos dos mensageiros instantâneos.
Estou nessa há mais de 15 anos, quando descobri o ICQ, o primeiro messenger, de origem israelense. No começo foi uma descoberta das janelas do mundo que se abriam e era possível falar com os geeks e nerds que infestavam saborosamente a web. Ninguém era corrente principal, estávamos nas bordas dos códigos consagrados. Teclávamos longe deste mundo de automatismos e do gosto monitorado. Até o correio eletrônico servia como rede de contatos confiável – hoje virou lata de lixo. Outros tempos, não vou lamentar. Até porque naquele período adâmico da internet eu me sentia no Jardim do Éden dos nomes. Para espantar a solidão, eu comprava domain names para abandoná-los em seguida, na floresta dos maus exemplos e esperanças vãs de negócios. E conversava nos mensageiros instantâneos como se falasse ao telefone (Alexander Graham-Bell inventou as primeiras redes sociais, o telégrafo e o telefone...). Hoje os chats instantâneos servem para criar um comportamento paralelo na vida cotidiana. Um infracomportamento, vamos dizer assim. No trabalho, por exemplo, repare como os colegas já adotaram duas camadas de texto: aquele que se fala em voz alta e aquele que corre no subterrâneo do messenger. No escritório, na redação, na oficina, você está conversando normalmente com um colega, enquanto ele está colocando uma legenda invisível em você, num papo paralelo com um amiguinho, ou tuitando para sua comunidade sobre a sua cara de babaca. É bom ficar esperto, pois não existe mais um nível. Os torpedos ajudaram nesse processo de instalação de uma realidade paralela. Cada indivíduo tem pelo menos duas caras, em geral opostas... Você nunca sabe com quem está de fato falando, ou que versão do software esprritual da pessoa está sendo disponibilizada.
Vou citar um caso real. Um amigo meu, microempresário, me chamou atenção para isso quando me contou que teve de demitir duas funcionárias porque elas fingiam que eram sinceras com ele e simulavam trabalhar, ao passo que, na real, por baixo do pano das aparências, elas batiam papo pelo messenger e faziam campanhas contra o meu camarada, tanto pelo Orkut como pelo Twitter. Ele desconfiou quando apareceu uma mensagem no perfil dele – e passou a espionar a dupla. “Descobri coisas que não queria”, me disse ele. “Você não imagina o que as duas tramavam à minha revelia, no mesmo instante que passava instruções básicas de trabalho ou discutia um job. Foi um inferno paralelo!” E emendou com um conselho: “Nunca trabalhe sozinho com duas mulheres, especialmente agora que elas podem fofocar às escondidas pela internet. Elas vão se unir e destruir você.”
Talvez ele tenha vivido uma situação extrema. No entanto, é nesse tipo de armadilha que aprendemos algo sobre os seres humanos que não sabíamos antes. Por isso, vou dizer palavras que podem revoltar muita gente, mas clama porque estou falando é comigo mesmo, no apps que simula um espelho no meu iPhone: o poder das redes sociais é tão subversivo que prejudica tanto a vida privada como sobretudo o ambiente de trabalho. É preciso bani-las do horário de expedientes. Há várias razões para eu afirmar isso. Num rápido apanhado, venho com quatro. Em primeiro lugar, porque com mecanismos como messenger e twitter as instâncias subjetiva e profissional se esgarçaram a ponto de confundirmos uma com a outra, de ficar muito difícil discernir aquilo que tem um registro formal daquilo que é conversa mole. A segunda razão reside na sinceridade. Vivendo intensamente as redes, você tem de ser politicamente correto, quando não falso. É uma questão de sobrevivência nas novas interações. Ou você elogia sua lista de contatos ou está frito. Ou você conversa às escondidas com seus colegas enquanto o chefe manda ou você se deprime. Três: sua privacidade não existe nesses conjuntos de associações. Os proprietários das redes comercializam os seus dados para determinados clientes. Há denúncias de que o Facebook, por exemplo, envia os dados de seus membros para sites como a Amazon. E é preciso lembrar que o integrante enredado também é alvo de campanhas de produtos e de candidaturas políticas? Acho que não. As redes sociais são a carne jovem que os políticos anseiam devorar neste ano de eleições no Brasil. Você vira consumidor e objeto de consumo ao mesmo tempo. E aqui vem a quarta e última razão: não bastasse a dureza da vida cotidiana, concreta e perigosa, na virtual você tem de cumprir obrigações, como se fosse numa religião ou numa sociedade secreta. Pega mal bloquear ou eliminar alguém de sua lista. Só desconhecidos merecem a danação pública. E assim o cidadão vive muitas escravidões simultâneas. Ficar ligado faz o profissional perder tempo com bobagens.

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É engraçado como existem críticos apocalípticos das redes sociais que juram que estamos alienados do mundo real por causa delas. Na verdade, ocorre o contrário: essas teias internéticas nos prendem mais e mais ao mundo, às pessoas, às tarefas e hipocrisias cotidianas. Elas não são válvula de escape de frustrações. São máquinas de comprometimentos intermináveis e irresistíveis. A presa fica imantada pelas mensagens alheias, e não consegue pensar que basta soprar para que a teia se desfaça no ar.
A vida era feita de pequenos fatos irritantes que buscamos esquecer, em nome do fator espiritual, das altas missões e prioridades ou o que quer que seja. Assim se passava antigamente. O indivíduo tinha de se submeter a um número limitado de códigos de conduta e se recolher à própria subjetividade. O dia-a-dia podia ser penoso, mas não havia e-buddies para fincá-lo em conversas sumárias, urgentes e inevitáveis. Agora não tem mais escapatória. Ninguém pode mais se esquecer de ninguém. Porque todo mundo é alguém e ninguém é ninguém. Todo mundo tem um nome, um perfil ou email perdido por aí. É só procurar que serão encontrados. Antigamente a gente virava a página de papel dos relacionamentos, das amizades fortuitas, de encontros em viagens. Esse tesouro solitário se perdeu com as redes sociais. Hoje todos são forçados a conviver com todos, mesmo que alguns não suportem outros tantos. Não há como sair de cena, ou descer a cortina. Adicione seus conhecidos, amigos, parentes e amores, ou então seja enxovalhado em público. Como era bom não ter que estar em companhias de todos o tempo todo, ouvir as opiniões e comentários de todos sobre todo mundo. Era tão paradisíaco deitar na rede, tocar violão e ler na extrema solidão! Hoje toco guitarra virtual do telefone, e quase simultaneamente tuíto uma bobagem sobre meia página que li e fingi que entendi. E o mundo inteiro aplaude. As redes sociais são deletérias por todos os motivos que enumerei. Todavia, o pior deles é você ser condenado a ser você mesmo o tempo todo, agregado a uma identidade e uma constelação de relações que monitoram e julgam seus passos, suas palavras, suas sílabas, suas fotografias, suas falas, suas preferências religiosas, políticas e sexuais. Parece um parque de diversões, mas na verdade é uma prisão. Quero ver você fora de tudo isso. Se tivever coragem, desvencilhe-se. Que tal começar pelo ambiente de trabalho?

(Luís Antônio Giron escreve às terças-feiras)

Comentários

§ Camarão Tricolor | RJ / Rio de Janeiro | 22/11/2010 08:15

A AMIZADE VIRTUAL É MAIS VERDADEIRA !
Luís Antônio Giron, olá ! Imagine você criando uma conta com o nome LUAGIRON, por exemplo, e com uma imagem, que lhe mantenha irreconhecível, quem sabe uma antiga foto com óculos escuros e barba postiça ? Imagine, agora, que no seu perfil, você coloque dados não reais de modo a lhe tornar um anônimo virtual ! Aí, você vai falar : para que gastar o meu tempo com algo assim ? Eu lhe explico : sem notoriedade, sem algo que vincule a sua conta com você, pessoa, você, Luís, expondo seus pensamentos, argumentando ideias e fazendo recados ou mensagens inteligentes e oportunas, você iniciará um círculo de amizades que você considerará anônimas, também ! Em tempo : nada de encontros ou conversas telefônicas ! Veja que você só manterá amizade com quem lhe convenha ! Por exemplo, amizades que colocam correntes à serem seguidas, simplesmente você comunica que não gosta do procedimento e, se insistirem, você elimina, bloqueando ! Pode ocorrer que, sem mais nem menos, alguma das suas amizades, simplesmente somem ! Neste caso, foi você quem não agradou e foi bloqueado ! Assim, José, você vai seguindo a sua vida virtual e vai notando que algumas amizades vão se consolidando, o que lhe permite criar uma listagem de Amizades Especiais ! Então você vai me falar : e que valor tem tal Listagem de Amizades Especiais ? Eu lhe digo, são amizades que lhe farão o melhor que puderem, pois são que nem você: gostam de se sentirem úteis e ajudam sem cobrar ajuda em retorno ! É aquela teoria : o que a mão direita dá, a mão esquerda não deve saber ! São, sim, AMIZADES espontâneas, livres e VERDADEIRAS, mesmo que VIRTUAIS ! Abraços à todos ! Camarão Tricolor.

§ vanes Bretagne | MA / Santa Helena | 02/06/2010 18:40

Persisto no erro !
O artigo ja diz tudo e estou literalmente de acordo. Só que mesmo com todo esses fatos evidentes ainda não consigo me livrar desse vicio, ao ponto de deixar toda a minha vida social e so ficar com o meu netbook. Portanto, sei que tudo isso é virtual e que muitas pessoas podem ser " de dublas caras " e não da tanta importância ao que escrevo mas fico feliz em vê que o meu publico adoram o que digo. Sou das aficionadas do Facebook e tudo é desculpa para me expressar e as vezes passo o dia debatendo com os meus amigos do Facebook. O mas incrível nisso tudo é que estamos perdendo todo aquele contado humano e preferimos ficar na frente do netbook . O como anedota tenho o exemplo da minha república : O pessoal nem conversa mas, se querem dizer algo vão deixar mensagens ou no FB ou no Msn. Agora que penso acho isso uma asneira nossa. Parabéns!..Adorei

§ Aramis Mabilia | SP / São Paulo | 01/06/2010 11:53

Lindo comentário
Eu saí do Facebook e sou mais feliz. Gostaria que mais internautas se dessem conta do poder invasivo desta falsa rede social.

Por: Felipe Gomes